Vem de Niterói-RJ a alvinegra Corso D’Alegria. A agremiação comandada pelo presidente Julio de Souza estreou na LIESV agora em Fevereiro na Edição Especial Milton Cunha com um grandioso 4º lugar e já projeta para Agosto fazer o maior carnaval de sua história. Com um enredo homenageando a bailarina italiana Marietta Baderna, que encantou os teatros cariocas no século 19, a escola encomendará seu samba que será cantado por uma intérprete feminina talentosa — Nathalia Bruna.
Confira a entrevista cedida pelo presidente da escola, Julio de Souza:
1- Como conheceu a LIESV e por que a escolheu?
Conheci à partir de uma pesquisa pela internet, buscando referências para implementar nos meus desenhos. Abri o site na época e fiquei impressionado com tamanho talento dos artistas, logo me encantei, pois reunia minhas duas paixões; a arte e o carnaval.
Tentei a sorte me inscrevendo no ano de 2017 — Unidos de Inoã — que infelizmente não foi pra avenida. Tive problemas com o meu computador na época.
De certa forma fiquei frustrado, pois era um trabalho que eu estava tratando com enorme carinho.
Os anos se passaram e eu decidi me inscrever — como Corso D’Alegria — para a Edição Especial Milton Cunha, onde pude mostrar um pouco do meu trabalho em apenas duas semanas. Não pude mostrar todo meu recurso artístico por conta do tempo, mas pra Edição Oficial de Agosto, pretendo usar todos os meus artifícios artístico.
2- Qual a história da sua escola, como foi fundada, qual o motivo, quais as cores, símbolos nome?
Como dito anteriormente, o Corso D’Alegria nasceu de uma “frustração” da não realização do projeto Unidos de Inoã em 2017. As cores é preta e branca, lembrando os carnavais antigos, no nome já diz: “corso”.
Corso era um carnaval de rua do Rio de Janeiro. Era uma passeata promovidas por sociedades carnavalescas, que continha foliões fantasiados, confetes, serpentinas e esguichos de lança-perfume. É como se fosse os blocos de hoje em dia. Por isso o símbolo é um arlequim.
3- Qual será o enredo da sua escola e como ele será contado na passarela virtual (quantas alas, alegorias e demais elementos)?
O enredo do Corso D’Alegria — A Ópera dos Baderneiros — é uma homanagem à bailarina italiana Marietta Baderna, que encantou os teatros do Rio de Janeiro no século 19 e depois passou à ser rejeitada pela elite por convivência com os escravos e por incorporar danças afro-brasileiras no seu balé. A Marietta Baderna trouxe a classe operária, trabalhadora e pobre pra dentro dos teatros, e à partir disso, começou à ser vaiada, receber críticas conservadoras, ter menor destaque nos jornais, ter contratos cancelados e até sendo banida dos teatros. Vivia críticas árduas diariamente, sofrendo pressões pra abandonar o Brasil e voltar para Europa. Se no início de sua carreira aqui no Brasil, baderna era apenas uma bailarina vista como talentosa e encantadora, depois disso, “baderna” passou à integrar o nosso dicionário e ser sinônimo de: confusão, desordem e bagunça.
Pretendo levar 4/5 carros, 2 tripés e 17 à 20 alas. Será um carnaval grandioso do Corso D’Alegria, do tamanho da homenageada.
4- Como a equipe da sua escola foi montada e quem faz parte dela?
A equipe é formada somente por mim, hahaha. Eu sou o presidente e o carnavalesco da escola. Gosto de aprender com os meus erros e dar vida à minhas ideias. Vou contar com uma intérprete feminina talentosa — Nathalia Bruna — aliás, o Corso D’Alegria é a voz da mulher e sempre será a voz da mulher.
5- E o samba enredo, vai fazer eliminatórias de samba ou vai encomendar? Se for eliminatórias, quais as regras da disputa, pra onde os compositores devem mandar os sambas e etc?
O samba será encomendado. Iremos preparar um samba ousado em tom solene, misturando com o erudito.
6- O que você e sua escola esperam do Carnaval Virtual 2021, tanto de vocês quanto das coirmãs?
Será o maior carnaval do Corso D’Alegria por vários motivos, então podem esperar um grande espetáculo, não só da nossa parte, como também das coirmãs.
Confira abaixo a logo e a sinopse do enredo da Corso D’Alegria para o Carnaval Virtual 2021:
“A Ópera dos Baderneiros“
O Corso D’Alegria tem a honra de apresentar a bailarina de dois mundos, Marietta (Maria) Baderna.
Ativista, revolucionária, exemplo de luta e de resistência, que deixou seu legado na sociedade e por trás de uma palavra — exclusiva do Brasil — no dicionário.
Primeiro Passo —
A Etimologia estuda a origem da palavra, seja ela formal ou informal. O estudo abrange acontecimentos históricos, uma pessoa, traços culturais e sociais.
O verbete “baderna” no dicionário, é um substantivo feminino com atribuição pejorativa, que tem o significado “situação onde reina a desordem, confusão, bagunça”.
A história fascinante por trás desta palavra é fomentada por uma bailarina italiana exilada no Brasil em 1849, após sofrer repressão em companhia do pai, no seu país natal, que vivia um período conturbado diante do domínio austríaco.
Ativista que era, Marietta (Maria) Baderna, deixou a Itália rumo ao Rio de Janeiro.
A jovem talentosa, aluna de Carlo Blasis na Itália, rapidamente alçou o ápice de sua carreira, quando pela primeira vez se apresentou no Teatro Lírico Fluminense, ao integrar a Ópera Maria de Rohan alcançando o triunfo em Lago das Fadas, consequentemente se tornando “bailarina absoluta” numa sistematização hierárquica do teatro.
Também se apresentou no Teatro São Pedro de Alcântara, encantando o público com a sua arte, que ofuscava grandes artistas da música clássica lírica.
Segundo Passo —
No século XIX, baderna era apenas um sobrenome de uma bailarina que encantava o público nos teatros Lírico Fluminense e São Pedro de Alcântara, no Rio. A “discípula do amor” ou “pérola da dança” tinha um comportamento combativo e ousado desde outrora quando sofria de perseguições políticas em sua pátria mãe.
No Rio, brigava com diretores e empresários de teatros por melhores condições de trabalho, além disso, jamais quis saber de casamento, ocasionando incômodo na elite, arcaica e escravista.
Fora dos palcos, Marietta era uma cidadã integrante da classe popular, vivia uma vida simples, entre bebidas alcoólicas e o desejo de suicídio.
Mas por quê o termo “baderna” herdou uma definição tão rude e nefanda?
“Que diabo terá feito essa moça, para que seu nome percorresse tão tortuoso caminho semântico?” — Otto Lara Resende
Terceiro Passo —
O espírito revolucionário de Marietta passou à introduzir costumes e hábitos adversos ao Império Escravocrata.
Em uma de suas desvairadas saídas pelas ruas do Rio, Marietta conheceu a resistência dos escravos e começou à frequentar senzalas, imediatamente se apaixonou pelas danças afro-brasileiras.
Ativista, revolucionária e fiel ao seus ideais, a esbelta bailarina começou à integrar no seu balé, passos do lundu e da umbigada — danças afro-brasileiras — em suas apresentações nos teatros Lírico Fluminense e São Pedro de Alcântara, provocando rejeição e desprezo por parte da elite que enxergava como algo indecente.
Quarto Passo —
A rejeição por parte da alta sociedade, trouxe a classe operária, trabalhadora e pobre para dentro dos teatros, impulsionados por Marietta Baderna, que se tornou a bailarina do povo. Conhecidos como “os baderneiros” o novo público de Marietta, testemunhou a nova repressão que a bailarina passou à sofrer diante da crítica conservadora, da elite imperial, dos diretores e empresários dos teatros.
Seu nome que estampava jornais repletos de enaltecimentos e exaltações, passou à ter menor destaque e a palavra “baderna” passou à ser sinônimo de “desordem, confusão, bagunça”. Sendo até banida dos teatros e sendo alvo de críticas árduas diariamente.
Último Passo —
Com os contratos desaparecendo, a estrela do povo se ver na obrigatoriedade de cruzar outros caminhos. Foi para o Recife, onde também foi vítima de repressão pelos mesmos motivos.
A classe popular lhe exaltava e tinha Marietta como símbolo de um Brasil livre, enquanto a nobreza tentava à todo custo lhe expulsar do país.
Pouco se sabe sobre a vida de Marietta após todos esses acontecimentos, não há registros nem vestígios da bailarina.
Seu espírito — o tempestuoso e para alguns, diabólico espírito de baderna — ficou paraindo sobre o Rio de Janeiro, que ainda hoje nos persegue, fascinando uns e aterrorizando outros…
O Corso D’Alegria evoca a bailarina, que na ponta dos pés traçou poesias.
Reúne todos neste palco popular e multicor, distinto de todo preconceito, desigualdade social, intolerância, discriminação e xenofobismo, para solenizar a diversidade, encenando milhões e milhões de baderneiros brasileiros, que carrega consigo histórias de muita luta e resistência.
No “balancé” da folia,
No “adágio” de um povo equilibrista,
O Corso D’Alegria sonha em dar seu próximo passo no Carnaval virtual.
Fontes: Pesquisas feitas no acervo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1851 e 1954 a partir dos seguintes jornais: Jornal do Commercio, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil, Gazeta de Notícias, O Fluminense.
Livro: A bailarina de dois mundos — Silverio Corvisieri
Autor do enredo: Julio de Souza