Camafeu de Oxóssi… Um Guia, um Mestre, um Obá!
Autor: Cecel Altaneiros
Sinopse do Enredo
JUSTIFICATIVA: Rebuscando a vasta história da cultura baiana, encontramos registros e relatos sobre Ápio Patrocínio da Conceição, popularmente conhecido como “Camafeu de Oxóssi”, um homem do povo, um expoente da cultura soteropolitana, solista de berimbau, cantador de capoeira, um homem de sorte tanto no jogo quanto no amor, como Ele mesmo se auto-definiu, um homem em que as adversidades da vida não foram capazes de vencer a sua fé, coragem, e sabedoria. A Altaneiros do Samba honrosamente presta homenagem a um dos mais expressivos personagem e mitos da cultura soteropolitana, hoje, é considerado “patrimônio da baianidade”, Camafeu de Oxóssi, o legendário guardião da cultura baiana, um ícone da cultura afro-brasileira.
NOTA: O enredo já havia sido lançado no ano de 2012, mas, por motivo de força maior, não pode ser desenvolvido até o final. Quatro anos depois, a Escola traz novamente o tema, e desta feita fazendo Camafeu de Oxóssi tão presente no consciente coletivo. O samba-enredo de Willian Tadeu vencedor daquela disputa será reutilizado no desfile, não havendo concurso de samba.
A INFÂNCIA E A ADOLESCÉNCIA
Ápio Patrocínio da Conceição nasceu em 04 de Outubro de 1914, no bairro de Gravatá, na cidade de Salvador, Estado da Bahia. Filho de Faustino José do Patrocínio e Maria Firmina da Conceição. Seu pai era mestre-pedreiro, descendente de africano. Conviveu com ele até os sete anos. Sua mãe veio de Camamu, era negociante de tabuleiro. Negociava frutas, doces, acarajé, tudo na Baixa dos Sapateiros. Sua mãe teve 16 filhos. Ele, Raimundo e João etc., cada um de um pai. Como ficou órfão de pai aos sete anos, seu padrasto dava mais atenção ao Raimundo. E Ápio da Conceição, foi trabalhar para ajudar a mãe, que tinha um tabuleiro de acarajé. Apanhava frutas na roça e ajudava a fazer as cocadas e a vendê-las. O menino não parava, era guerreiro nato. Tanto que vendeu giletes, cordões de sapato ou cadarços na porta do Elevador Lacerda e pedra para isqueiro na Baixada do Sapateiro. De menino de rua que passou fome e perdeu toda a família, a Aprendiz de Artífice de Salvador, trabalhando na fundição, ele atingiu a adolescência como pregoeiro de quinquilharias. Anos posteriores o levaram para o passeio do Mercado Modelo como engraxate, além de vender os jornais de modinha nas feiras de Água de Meninos, Dois de Julho e Sete Portas. .conforme ele mesmo descreveu em certa oportunidade:
“Eu ia para as feiras de Água de Menino, Dois de Julho e Sete Portas com as modinhas nas mãos, fazia samba de improviso e formava a roda. Depois, fiquei uns tempos vendendo pão dormido, com um balaio na cabeça.”
Saiu de lá para ser marítimo e foi parar na Estiva – Companhia Docas da Bahia. Mas não gostava de trabalhar para os outros. Contava: “Uma vez, estava na pior e fui lavar pratos no restaurante de um espanhol. Tinha coisa de uns 18 anos. Não fiquei nem um mês. Não agüentei as implicâncias do galego”.
O SURGIMENTO DO CAMAFEU DE OXÓSSI
“Camafeu, Camafeu, cadê você? Estou em todo lugar!
Só vendendo bugigangas, no mercado popular!
Se o mercado está fechado, é no mar que eu vou pescar!
Samba no mar, samba no mar …
Samba no mar da Bahia … samba no mar! (bis) (…)
“Samba no Mar – Martinho da Vila”
Há duas versões que narra a transformação de ápio da Conceição em Camafeu de Oxósii, as duas perpassadas oralmente, por pessoas que conheceram e/ou conviveram com o nosso homenageado. Uma História Oral do povo de Candomblé e de Salvador: “Um camafeu era e ainda é uma jóia usada pelas senhoras da sociedade para prender a gola de seus vestidos. Geralmente esse broche tinha como principal atrativo uma figura em relevo do rosto de uma senhora ou do seu esposo”. Havia um comerciante que se chamava Ápio, que era filho-de-santo do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, e era de Oxóssi, no sincretismo religioso o orixá da caça, da mata e da fatura. Era então conhecido como tal. Um dia passeando com amigos pelo Pelourinho, tropeçou e quando caiu viu um broche lindo, o tal camafeu. Gostou tanto que os amigos o apelidaram de “Camafeu de Oxóssi“. Era um homem de muitas palavras, casos e lendas para contar.
CANDOMBLÉ, CAPOEIRA E SAMBA, SUAS PROFISSÕES DE FÉ
“Camafeu é a Bahia. Assim, se escrevo sobre a Bahia, ele tem de estar presente. Isso sem falar que somos irmãos de santo, que é como se fôssemos irmãos de sangue. Ele é Camafeu de Oxossi, e eu também sou de OxóssI …” Jorge Amado
Sobrinho de Mãe Aninha e filho-de-santo de Mãe Senhora, Obá de Xangô, Osi Obá Aresá no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, que tem suas mais relevantes cerimonias no Palácio de Xangô, ao lado de Olga de Alaketu, Carybé, Dorival Caymmi e Jorge Amado, Ele seguiu fielmente sua devoção a Oxóssi e ao candomblé baiano. Além de ter amizade com Mãe Menininha do Gantois. Foi presidente do Afoxé Filhos de Gandhi no período de (1976 a 1982).
Mestre de Capoeira, apelidado de “Besouro-Vivo”, fazia parte do chamado e seleto grupo de Mestres da Capoeira baiana, carinhosamente chamada de “Cordão de Ouro”, uma graduação fictícia para designar os maiores Mestres de todos os tempos. Tocador de berimbau, batuqueiro, Camafeu de Oxossi gravou dois discos, um deles “Berimbaus da Bahia” com os cantos de capoeira mais belos, alguns velhos, do tempo da escravidão ou da Guerra do Paraguai:
“Volta do mundo, ê!/volta do mundo, ah!/ Eu estava lá em casa/sem pensá, sem maginá/e viero me buscá/para ajudar a vencê/a guerra do Paraguá/camarado ê/camaradinho/camarado…”.
Outros cantos estão cheios de lembranças da vida dos escravos:
“No tempo em que eu tinha dinheiro, camarado ê, comia na mesa com ioiô, deitava na cama com iaiá… Depois que dinheiro acabou, mulher que chega prá lá, camarado. camaradinho ê….”. Contam da guerra, da escravidão, das lutas dos negros.
Outros são versos improvisados no repente, na mais pura áurea da brincadeira, e, repetidos, permanecem e se tornam clássicos da capoeira como:
“Bahia, minha Bahia,/Bahia do Salvador,/Quem não conhece capoeira/Não lhe pode dar valor/Todos podem aprender/General e até doutor”.
“Paranauê … paranauê, Paraná(Bis) …Quando eu era criança, que jogava capoeira/os mais velhos assim diziam: Esse menino não é brincadeira/rabo de arraia, martelo cruzado, Meia-lua e o tombo de ladeira …”
“É na mata fechada, é na mata fechada, quero ver jogar capoeira, meus faraiados (bis) Ali tem cobra coral, aranha caranguejeira, bom lugar pra se fazer a roda da capoeira . É na mata fechada, é na mata fechada, quero ver jogar capoeira, meus faraiados (bis) Tem o canto da araponga e do sabiá tem até uma caninana sempre no mesmo lugar…”
“Quando a maré baixar vá lhe visitar, vá lhe fazer devoção, vá lhe presentear … No mar… mora Iemanjá, mora Iemanjá, mora Iemanjá!(bis) Sua lágrima correu pro mar, tocou no peito de Iemanjá, ela podia mudar a maré … Fazer “meu navio” voltar pra Guiné! Quando a maré baixar vá lhe visitar, vá lhe fazer devoção, vá lhe presentear … No mar… mora Iemanjá, mora Iemanjá, mora Iemanjá!(bis)”
Com o tempo, a voz rouca não cantava mais, porém se emprestava a histórias e nomes com quem conviveu numa cidade que não existe mais.
Chegou a ser diretor das escolas de samba Só Falta Você, Deixa Pra Lá, Gato Preto, onde aproveitava para cantar seus sambas. Além das rodas de samba onde cantava versos de improviso, em locais pitorescos como a orla marítima de Salvador, nas beiras das praias ou mesmo nos cais dos portos, geralmente após a pescaria no cair da noite, o povo humilde e festeiro celebrava a vida cantando, dançando, assim reviam-se os amigos e mantinham vivas as tradições afro de seus ancestrais.
BARRACA DE SÃO JORGE NO MERCADO MODELO
“Camafeu me conta que vai ser dono de restaurante… estará agora, com seu berimbau e sua picardia, seu riso largo e sua voz molhada, em meio à riqueza e à cor da comida baiana, servindo vatapá e alegria…” Jorge Amado.
Em 1945, Camafeu conseguiu sua primeira barraca no Mercado Modelo. “Mas eu brincava muito, fazia muita farra, e o negócio pifou novamente”. “Aí eu tive de vender a barraca. Fiquei parado uns tempos, não queria trabalhar pra ninguém, até que consegui voltar ao Mercado. O administrador permitiu que eu colocasse umas tábuas num lugar onde tinha um chafariz, e ali eu vendia roupas e sapatos usados. De noite, levava tudo pra casa num saco.”. “Com isso, fui arranjando dinheiro e comprei as barracas 17 e 18, e, depois, a 15 e a 16”. Instalado novamente, resolveu diversificar, passou a negociar com material de candomblé: contas, colares, pós e outras mercadorias.
Em 1969… Seu trabalho esvaiu-se na fumaça: Em 1º de agosto de 1969. O fogo crepita e é visto ao longe, queima o antigo Mercado Modelo, em Salvador. Camafeu enche a cara. Canta e dança diante das chamas. Perdeu tudo, como vários outros barraqueiros. Mas era assim que reagia. Cantar e dançar eram o jeito de sua gente reagir e ele era como os do seu povo.
“(…) Jorge, o Amado, procurou-o no dia seguinte:
“Está muito chateado, meu irmão?”
“Tem problema não, Jorge“,
_ respondeu Camafeu.”
“Tinha problema sim, claro que tinha”.
Jorge adiou uma viagem para a Europa. Entregou ao amigo, assinada por ele e Caribé, uma nota promissória. Camafeu levantou um empréstimo bancário: 5 mil cruzeiros. Devia 3 mil, pagou. Comprou mercadorias e começou tudo de novo. Era o início de muitos inícios desse bravo filho de Oxóssi.
Na sua Barraca São Jorge, aberto em riso, cercado de objetos rituais, de obis e orobôs, ele ensinava os mistérios da Bahia.
Ainda década de 60, a Universidade Federal da Bahia criou o curso de língua iorubá e Camafeu foi um dos primeiros alunos. Foi convidado para ir à África, representando a Bahia no Primeiro Festival de Arte Negra do Senegal, junto com Pastinha e outras pessoas. Lá ele cantou em iorubá para Oxum e para Oxóssi.
Nos anos 70, Camafeu de Oxóssi é presenteado pelo então Prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães com a construção de um restaurante, com o nome homônimo, uma forma de reconhecimento, pela contribuição de Camafeu de Oxóssi a cultura baiana, hoje o restaurante é ponto turístico e serve os mais variadas iguarias da culinária baiana. Ali está impresso em cada conversa, nos debates, nas músicas veiculadas no dia-a-dia a alma deste que é considerado um “patrimônio da baianidade”
MORREU O HOMEM, NASCEU O MITO
“… Em meus livros, ele aparece sempre como Camafeu, porque Ápio Patrocínio da Conceição não existe, é um apelido que puseram nele quando nasceu”. Jorge Amado
Um ritual religioso marcou no dia 27 de março de 1994 o sepultamento de uma das figuras mais conhecidas da Bahia: Apio Patrocínio da Silva, o Camafeu de Oxossi. O enterro foi no Cemitério da Ordem Terceira do São Francisco, e contou com a presença de vários amigos e admiradores daquele que era uma das maiores autoridades do culto afro-brasileiro na Bahia. Camafeu ficou conhecido não só como proprietário de um dos mais famosos restaurantes de comidas típicas da Bahia, localizado no Mercado Modelo, como também pelo posto Obá de Xangô, que ocupava no Terreiro Ilê Axe Opô Afonjá. Era querido pelas principais mães-de-santo da Bahia e amigo de Dorival Caymmi, Jorge Amado e Gilberto Gil. Doente há muito tempo, Camafeu foi vencido por um câncer na garganta e faleceu no Hospital Aristides Maltez, aos 78 anos.
Glossário:
Obis, Orobôs – sementes, frutos e ervas africanas usados em rituais aos orixás;
Bibliografia Consultada:
Site Wikipédia
Site Youtube
Blog spitituslitterae
Blog do Gutemberg
Blog Capoeiragem sol Nascente
Links de vídeos úteis :
http://www.youtube.com/watch?v=kjSLnr5YwFs&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=giuxH-KCb2w
http://www.youtube.com/watch?v=vGpaZlxujG8
http://www.youtube.com/watch?v=xXatZS9j1VM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=bG6Dh4RiCck&NR=1
http://www.youtube.com/watch?v=bLZXFLCrFDo&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=JqY-nDQbEQk