Estrela Sambario lança sinopse do enredo “O Voo para a Liberdade”

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O Voo para a Liberdade

Enredo: Lucas Milato

Texto: João Francisco Dantas

Justificativa

Nos tempos atuais, convivemos com a ideia de multiculturalismo. Ideia essa aprendida a duras penas ao longo de quinhentos anos de embates culturais promovidos pela expansão marítima europeia. Os invasores não tinham consciência de que a maior riqueza que deixariam aos futuros habitantes do mundo era a diversidade cultural humana. Diversidade construída à força e em cima do sofrimento e mágoas de muitas pessoas, é preciso que seja dito. Hoje, podemos dizer que o principal trabalho da raça humana é curar as feridas deixadas por anos e anos de desrespeito.

A Estrela Sambario, neste carnaval, conta a história dos índios muíscas e da maldição do Hotel de Salto Del Taquendama, se posicionando como um xamã curandeiro tentando diminuir os sofrimentos e as mágoas que ainda hoje nos cegam, impedindo de percebermos todos os humanos como irmãos, conscientizando-os de como o preconceito e a intolerância podem gerar tristezas e feridas que perdurarão por muitos anos.

Infelizmente, nós não sabemos como curar tais feridas vindas do passado, mas pensamos que a melhor forma de fazer surgir uma solução é olhar para ele, rever, e tentar entender o porquê das coisas. Assim, vendo essa história, percebemos em Salto del Taquendama a energia por anos acumulada das dores das populações indígenas dizimadas e dos espíritos dos descendentes europeus. Propomos que olhemos para essas dores e aprendamos com elas para que a nossa evolução como humanos não se atrase mais.

Sinopse

Vejam este prédio abandonado, desgastado pelo tempo, é a morada de espíritos sofredores e angustiados que pagam o preço da maldade praticada sob o calor da ganância. Hotel del Salto é o seu nome. Percorrem seus corredores os espíritos daqueles que se jogaram do alto de Taquendama, no interior da savana colombiana, na tentativa desesperada de satisfazer o desejo de vingança de seres ancestrais.

Cada um desses espíritos está preso ao Hotel para todo o sempre até que chegue o dia do acerto final de contas em que os deuses guerrearão destruindo estrelas e planetas, vingando-se uns dos outros pelas dores e ódios cultivados ao longo do tempo.

São milhares deles encenando uma vida de memórias inventadas como servidores do hotel, buscando esquecer e amainar a dor do ato realizado contra a própria vontade.

***

Num lugar do passado irrecuperável, antes ainda da existência do mundo, Chibchacum sentiu vontade de realizar uma ideia que estava encravada no mais profundo de sua alma divina. Esticando o corpo, abrindo bem os olhos, boca e ouvidos, Chibchacum permite que uma luz jorre de dentro de si. Aos poucos, tudo o que conhecemos do mundo foi sendo criado e posto em seu lugar.

Planetas, Sol, Lua e Estrelas cada um foi ganhando forma e se posicionando em seu lugar no céu. Junto aos corpos celestes, Chibchacum também criava o guardião de cada um. No Sol, colocou Bochica. Na Lua, colocou Chía. Dentre os planetas, escolheu um e na Terra, colocou os Seres Humanos. E a cada grupo de Seres Humanos, organizados em nações, colocou num lugar da Terra para que tomassem conta dela. Foi assim, que o povo Muísca ficou responsável pelas savanas colombianas.

Tudo seguia muito bem até que Bochica, encantando com os Seres Humanos, ensinou-os todas as obrigações e as artes úteis, a agricultura, a caça, a pesca, a escultura e o trabalho em metal. Assim, os humanos pareciam seres próximos aos deuses. Isso encantava Bochica, que os admirava e amava como filhos.

Bochica também ensinou aos Muíscas que os deuses dependiam dos humanos. Principalmente, em sua alimentação. Os humanos eram o alimento dos deuses e eles deveriam ser servidos num ritual específico. Ser alimento de deuses era a glória máxima, significava viver para o todo sempre com a energia primordial e ordenadora do mundo. Assim, os escolhidos eram pintados com pó de ouro e levados numa canoa dourada ao centro do lago Guatavitapara para serem afogados lá. Pelos ensinamentos de Bochica, a alma do muísca que se afogava se transformava em águia e voaria para El Dorado.

A boa relação de Bochica e dos Humanos irritava e aborrecia Chía que não via os Humanos com bons olhos. Ela, então decidiu ensinar-lhes as artes do prazer, da feitura da bebida que entontece e turva o pensamento, ensinou-lhes sobre a profundeza do ser humano mostrando-lhes também seu lado negativo, principalmente, sua ambição.

Chía sugere aos Humanos que comam da carne dos escolhidos para o sacrifício, pois assim teriam a oportunidade de também se transformarem em deuses. Parte dos Humanos acreditou. Os Catios, povo inimigo dos Muíscas, iludidos pelas sugestões de Chía não mais levavam seu sacrifício ao lago Guatavita. Destrinchavam os escolhidos para o sacrifício de forma selvagem, dividindo a carne entre si.

Com o tempo, Chibchacum notou sua força e a dos outros deuses diminuir. A energia primordial se enfraquecia. Veio à Terra e observou a abominação praticada pelos seres que havia criado. Irado, tudo queria destruir. Abrindo a boca emitiu um grito com o som de trovão, acordando todas as nuvens e as fazendo chorar. A água caiu em quantidades inimagináveis. Por dias e dias, todas as áreas da Terra ficaram alagadas. Morreram plantas, animais e seres humanos.

Bochica observando aquilo sentiu-se mal de ver seus filhos sendo destruídos pelo embuste de Chía. Penalizado, tocou as águas transmitindo-lhes seu calor para que os mortos no dilúvio se transformassem em animais aquáticos. Foi assim que surgiram as espécies aquáticas da região. Para os Muíscas, que ainda não haviam sido atingidos, Bochica os colocou numa balsa dourada, para que flutuassem sem correrem riscos.

Ao ver que o lugar em que viviam seus protegidos não secava, pois a savana ficava emparedada por vários montes e não tinha escoadouro para a água, Bochica usou de seu cajado, batendo com força no alto de um dos montes, abrindo uma rachadura por onde fluiu a água. Do cajado de Bochica saiu um arco-íris significando a renovação de seus laços com os Humanos. Assim surgiu Salto del Taquendama.

Tempos depois de tudo isso, a vida se acalmou e tudo seguiria seu curso natural. Os grandes deuses já não habitavam mais a Terra. Os Muíscas dominavam toda a savana, pois eram grandes guerreiros e com isso não havia nada que os preocupasse.

Até que um grupo de estrangeiros adentra as terras Muíscas. Montaram acampamentos. E não pareciam ser nada amistosos. Indignados com a invasão dos estrangeiros, todos os guerreiros se reuniram para expulsar os invasores. Atacam o acampamento, fazendo com que os estrangeiros fujam.

Imaginando que os invasores eram poucos e fracos, os Muíscas não contaram com o ódio e vingança dos espanhóis. Montados em cavalos, bichos nunca antes vistos, os espanhóis avançaram sobre os aldeamentos Muíscas, matando guerreiros e escravizando os que sobreviviam. Os índios não entendiam como Humanos podiam se transformar naquele bicho estranho com tronco de homem e corpo de quatro patas. Pensaram que aqueles “centauros” eram a vingança de Chía, por terem sobrevivido ao seu plano maligno. Sem chance de luta contra a força bélica espanhola, os Muíscas foram dominados e submetidos aos trabalhos nas minas de metais preciosos e na agricultura.

Revoltados, os índios preferiam a morte àquela submissão humilhante. Com seu choro, clamaram todas as noites por Bochica, para que ele viesse libertá-los. E foi assim, que durante a noite, no meio do lamento do xamã, que eles ouviram a voz de Bochica dizer: “Meus filhos, o fim de seu sofrimento está próximo. Preparem-se. Mantenham os ouvidos atentos para os gritos que eu emitirei quando chegar a hora. Serão gritos de águia. Sigam a direção de onde vem o som e façam o que ele diz. Nesse dia vocês voarão para mim e para a liberdade.” Assim, eles esperaram.

E quando menos esperavam, no meio do dia, o grito aconteceu. Todos ouviram o chamado de Bochica, desde os que estavam nas hortas àqueles que estavam nas profundezas das minas. Era mais ou menos isso que ele lhes dizia pelos guinchos da águia: “Sigam rumo a Taquendama. Ali esperarei vocês para a transformação. No caminho encontrarão várias árvores de Yopo. Peguem suas sementes e engulam. Elas o deixarão com a consciência desperta para se transformarem. Ao chegarem ao alto da cachoeira,pulem.Vocês sentirão que antes de caírem na água, terão se transformado em águias.”

A águia gritou. Todos os muíscas correram.

Era uma corrida contra o tempo, contra a destruição de suas almas. Os que conseguiram fugir seguiram o caminho indicado por Bochica. Os que ficaram perderam suas vidas impedido que os que fugiram fossem seguidos pelos espanhóis. Ainda assim não foi o suficiente para impedi-los. Ao verem tantos índios correrem na mesma direção, os espanhóis os seguiram.

Montados à cavalos ou à pé, os espanhóis seguiam os rastros deixados.

Alguns espanhóis ainda chegaram a tempo de ver os últimos muíscas ingerirem as sementes de Yopo e se porem num estado diferente. Os índios pareciam tomados por alguma força sobrenatural, imitavam os movimentos e os sons de uma águia gigantesca que sobrevoava a cachoeira de Taquendama.

Ainda a imitaram em seu último movimento.

A águia embicou na direção do fundo da cachoeira e fechando as asas caía naquela direção. Os índios a imitaram se jogando um a um na mesma pose da águia.

Da borda da cachoeira, os espanhóis viram os corpos dos Muíscas sumirem em meio as águas. E para sua surpresa, viram surgir do nada, rumando em direção ao sol, uma revoada de águias douradas comandada pela águia gigantesca. A revoada sumiu no espaço.

Ainda confundidos pelo que viram, os espanhóis acharam que as tais sementes deviam ser as responsáveis pelo que viram. Com voracidade, apanharam as sementes que no chão haviam ficado e as ingeriram. Nenhum pouco preparados para o que estava por vir, os espanhóis viram suas mentes ficarem cada vez mais confusas, como se ficassem sob o controle de alguém. Eles ainda ouviam os guinchos das águias. Mas, dessa vez, não era um chamado para a liberdade, era o som de uma maldição lançada sobre todos os estrangeiros invasores.

A voz de Bochica dizia: “Esse é o castigo de vocês, pela escravidão e humilhação de meus filhos. De hoje em diante vocês e seus descendentes alimentarão os deuses com seus corpos, jogando-se do alto do lugar que criei para salvar os meus. Hoje, ele se transforma no lugar de perdição dos seus, de prisão eterna de suas almas.”

Involuntariamente, os corpos dos espanhóis imitaram os movimentos das águias e, para desespero cada vez maior de seus donos, se aproximavam perigosamente da borda da cachoeira. O salto foi inevitável.

Mas, não se viu águias douradas seguindo uma águia gigantesca. Não se viu mais nada.

Ainda hoje, a maldição de Bochica atrai os descendentes dos espanhóis invasores, que irresistivelmente sentem o desejo de se jogar de Taquendama. O lago que recebe os corpos dos enfeitiçados é conhecido como o Lago dos Mortos. Devido à força da queda d’água, nenhum dos corpos foi até hoje recuperado.

Glossário

  • Chibchacum: O Deus da tribo Chibcha (Muísca), responsável pela criação do mundo. Uma divindade protetora universal com grande essência criativa
  • Yopo: sementes usadas como rapé para comunicar-se com os espíritos.
  • Xamã: em certos povos ou culturas, espécie de curandeiro e adivinho que tem a capacidade de invocar ou incorporar espíritos por meio de estados alterados de consciência como o sonho, o transe místicopara realizar encantamentos e rituais de cura, adivinhação, exorcismo etc.

Setorização

ABERTURA: Bem-Vindos ao Hotel Del Salto

SETOR 01: A Tribo Muísca e a Ira de Chibchacum

SETOR 02: O Mundo Submerso e a Criação do Salto Del Taquendama

SETOR 03: A Invasão Espanhola

SETOR 04: A Escravidão e o Voo para a Liberdade

SETOR 05: A Maldição de Bochica

 

As regras do concurso da Estrela Sambario serão publicadas nos próximos dias.

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