“O outro lado do Rebouças, há uma luz no fim do túnel, o negro André.” é o enredo da Arte Yorubá para o Carnaval Virtual 2022

Fundada em 19 de março de 2020 e com o propósito de resgatar a Ancestralidade Africana em todos os sentidos, a Arte Yorubá chega à LIESV com o enredo “O outro lado do Rebouças, há uma luz no fim do túnel, o negro André.”. De autoria de Llorran Carvalho, carnavalesco da escola, o tema contará uma história pouco conhecida de André Rebouças, abolicionista negro, patrono da engenharia do Brasil. Presidida por Luyz André, a azul e branco do bairro Maria da Graça no Rio de Janeiro conta também com Vivian Pereira de pesquisadora, Bárbara Gregório de diretora cultural, Josy Rodrigues de vice-presidente e Sergião de intérprete. A agremiação encomendou o samba enredo.

Confira a entrevista cedida pelo presidente, Luyz André:

1- Como conheceu a LIESV e por que a escolheu?

1 – Através das Redes sociais e por vir de outra liga.

2- Qual a história da sua escola, como foi fundada, qual o motivo, quais as cores, símbolos nome?

2 – O Arte Yorubá tem como propósito o resgate da Ancestralidade africana em todos os sentidos. Foi fundada em 19 de março de 2020, no bairro de Maria da Graça, subúrbio carioca. Rio de Janeiro- RJ.

As cores são o Azul Celeste e o branco. O Símbolo é a pomba branca da Paz. E o nome é uma homenagem às artes e a cultura africana que tanto nos influenciam como brasileiros.

3- Qual será o enredo da sua escola e como ele será contado na passarela virtual (quantas alas, alegorias e demais elementos)?

3 – O enredo contará uma história pouco conhecida de André Rebouças, abolicionista nego, patrono da engenharia do Brasil. A Escola virá com 4 alegorias e 20 alas.

4- Como a equipe da sua escola foi montada e quem faz parte dela?

4 – O núcleo artístico e de criação da Escola conta com o Carnavalesco Llorran Carvalho, a Pesquisadora Vivian Pereira, a diretora cultural Bárbara Gregório e a Vice-presidente Josy Rodrigues além do presidente Luyz André.

5- E o samba enredo, vai fazer eliminatórias de samba ou vai encomendar? Se for eliminatórias, quais as regras da disputa, pra onde os compositores devem mandar os sambas e etc

5- O samba enredo será encomendado.

6- O que você e sua escola esperam do Carnaval Virtual 2022, tanto de vocês quanto das coirmãs?

6- Esperamos fazer uma boa estreia na Liesv, trazendo sempre um tema único e original, que servirá como base de pesquisa para futuras gerações.

Confira abaixo a logo e a sinopse do enredo da Arte Yorubá para o Carnaval Virtual 2022:

“O outro lado do Rebouças, há uma luz no fim do túnel, o negro André.”

“Os génios começam grandes obras, os trabalhadores acabam-nas.”
Leonardo da Vinci

Quem imaginaria que aquele moço, abastado, preto, filho de um advogado autodidata com a filha de um pequeno comerciante, seria alguém?

Quem imagina que uma das vias expressas mais importantes do Rio de Janeiro, eixo entre dois mundos quase que opostos, a Zona Norte e a Zona Sul, teria o nome daquele moço, abastado de tempos atrás…

Atravessamos o Rebouças, não o túnel, mas André. Ou melhor, como gostava de ser chamado: Negro André

Criado numa família de seis irmãos, André Pinto Rebouças nasce na Bahia, na época da Sabinada – Revolta Popular que surge através do descontentamento com as autoridades escolhidas pelo governo regencial para governar a Bahia, movimento organizado por homens cultos e letrados-, frangalhos de um Império que já começava a ruir. Cresceu consciente de que para construir sonhos, o concreto deveria ser de conhecimento, cercado de livros, morada do saber. Aos dezesseis anos, já no Rio de Janeiro, ingressa na Escola Militar e seis anos mais tarde, já havia obtido o grau máximo em engenharia Militar e era bacharel em Ciências Físicas e Matemática.

Sua cabeça parecia um complexo de engrenagens e mecanismos para mais que pensar, mas sobretudo, concretizar sonhos. Acaba por se deparar com a guerra na sua vida, alistou-se como Voluntário da Pátria na guerra do Paraguai. Homem culto desde a criação, nunca foi muito dado às atividades bélicas da guerra em si, mas conseguiu ainda no caos da situação, desenvolver uma espécie de torpedo que ajudou as tropas brasileiras a obter êxito em combate. Não seria a primeira guerra na sua vida, pra quem venceu a varíola na infância e a venceu novamente em plena guerra do Paraguai, ele encararia outra guerra, a guerra contra o racismo.

Diversos de seus projetos foram boicotados pelo tom de sua pele, projetos de soluções para as crises de abastecimento de água no Rio de Janeiro, projeto esse que é aprovado e durante bom tempo, serviu a população, e a reforma do complexo portuário do Rio e suas docas. Mas eram os projetos de ferrovias que mais lhe trouxeram sucesso, suas obras atravessaram o tempo e até hoje podem ser contempladas, como o projeto da ferrovia da Serra da Graciosa, que ligava Curitiba até Paranaguá, onde futuramente se instalaria o Porto de Paranaguá. Um prodígio de engenharia e deslumbre para os olhos. A terrível experiência de ter seu talento menosprezado e muitas vezes rejeitado pelo tom de sua pele, o leva a engajar-se na causa abolicionista, ingressa na sociedade brasileira contra a escravidão, faz parte da Confederação Abolicionista e cria os estatutos da Associação Central de emancipação aos escravos

Nos idos de 1880, embarca para a Europa, onde conhece o Maestro Brasileiro Carlos Gomes, que em situação de quase miséria, é ajudado por André Rebouças, que através de seus contatos, financia Carlos Gomes para que o mesmo possa estrear a ópera “O guarani em Milão”. Em seguida, parte para os Estados Unidos, Nova Iorque e lá, mais uma vez, seu talento é subjugado pelo tom de sua pele, chegando a afirmar que jamais tinha sofrido tamanho preconceito anteriormente, após visita ao Sul dos Estados Unidos.

Retornando ao Brasil,aprofunda mais sua luta pela abolição e estreita mais suas relações com a princesa Isabel e Dom Pedro II. Pedro e Isabel que eram pressionados pela Inglaterra a abolir a escravidão. A primeira reação foi a Lei Feijó, que demorou cinco anos para ser aplicada, ficou conhecida à época como “Lei pra Inglês Ver”. Os ingleses viram e como resposta, ameaçou aplicar a lei Bill Aberdeen, que permitia autoridades inglesas invadirem a costa Brasileira e apreender navios negreiros. Em 1887, a situação já estava fora de controle, revoltas e fugas já não eram mais controladas pelas autoridades e feito flor que desabrocha no rachar do asfalto, florescem as Camélias Brancas.

As Camélias Brancas eram símbolo da luta anti-escravista. No Quilombo do Leblon, os negros cultivavam Camélias Brancas e depois vendiam. As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling defendem que “portar uma camélia na botoeira do paletó ou cultivá-la no jardim de casa era gesto político”. Era o símbolo que uma sociedade que anseava a liberdade e em 13 de Maio de 1888, uma pena dourada assina a lei que liberta mas que não garante a subsistência. A Lei é Áurea pra quem?

Vilões ou heróis, o Império do Brasil vinha perdendo força e cair parecia questão de tempo, materiais recentes mostram até certa preocupação de Isabel em não desamparar os escravos, como uma carta de 11 de Agosto de 1889 endereçada ao Visconde de Santa Vitória onde a monarca diz:
“Com os fundos doados teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas próprias trabalhando na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos.

Deus nos proteja dos escravocratas e os militares saibam deste nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da Casa de Bragança no Brasil.”

E Isabel estava certa, mas as aparências pareciam ser mais importantes pra alta sociedade Brasileira e é na Ilha Fiscal que o Império resolve ‘ostentar’ sua força. Uma corte, em sua maioria, vestida de luxo mas com espírito de trapos. André Rebouças, um dos convidados, convida uma dessas damas – cujo vestido é de renda mas a alma de trapo – para dançar e novamente, devido ao fato de ser preto, é recusado. Conta-se que Pedro II, ao ver tal cena, ordena que Isabel dance com André. O cisne Negro. Lo Schiavo Guarany. O negro André. Seis dias depois, a coroa se racha e o império se acaba. É instituída a monarquia.

E como forma de lealdade, amizade ou até mesmo gratidão, André Rebouças vai embora na mesma embarcação que levam os ex regentes para a Europa, mas não vai pra Paris, e sim para Lisboa, onde trabalha como correspondente para o jornal inglês ‘The Times’, depois, transfere-se para Cannes, na França até a morte do amigo Pedro II.

Em 1892, com sérios problemas financeiros, ele aceita um emprego que seria o atravessar de um túnel que ele jamais retornaria. O da sanidade. O negro André vai a África. Primeiro em Luanda, depois Moçambique e em seguida, para o Transvaal, território que hoje se conhece como África do Sul. Transvaal, tem esse nome por causa do Rio Vaal que abastece toda essa área e é justamente nessas ondas que André delira e tomado por um ímpeto que beira a loucura, decide vestir os 300 mil habitantes dessa região. Povos que viviam nus e André acreditava que os corpos expostos ficariam sujeitos a doenças e outras enfermidades. Para isso, 900 mil metros de tecido seriam necessários, mas como haveria seis mudas, eram necessários 5,4 milhões de metros de pano de algodão e esse plano salvaria a indústria têxtil da Inglaterra que passava por um grave período econômico. Tudo isso pensado, calculado, enviado e publicado no The Times e ninguém ouviu. Certo dia, tomado de tristeza, André Rebouças atravessou o túnel da vida e viu a luz da eternidade. Túneis da vida, túneis cinzentos, túneis de concreto armado.

Na nossa sociedade, hoje, o que é concreto? O que é armado? O túnel Rebouças é o túnel que hoje separa o povo do Centro da Cidade, os malandros, mendigos, bêbados, prostitutas, trabalhadores dos mais diferentes tipos, vendedores, camelôs, bicheiro, empresário, tudo “junto e misturado”, “tá ligado”, “morô”? Qualquer coisa, “é nós”, o povo que diariamente e em qualquer situação “desenrola, bate e joga de ladinho” e estuda, empreende, coopera entre si. E que assim como o negro André, montam cooperativas de gente preta, de arte preta. Arte essa que atravessa o centro, o túnel. E lá, do outro lado do túnel, a burguesia carioca, do champanhe à beira mar com bossa nova se diverte na terra que um dia foi nossa.

Quem sabe um dia, do chão fértil que aquilo foi um dia. Chão preto. Chão de Quilombo. O quilombo do Leblon, floresçam Camélias Brancas, nas vitrines brancas, dos shoppings, de moda preta. Para todos vestir. A Wakanda de André Rebouças.

Lorran Carvalho.

*Colaboraram na pesquisa o historiador Mateus Pinheiro e o Professor Edson Amaro de Souza.

Defesa do Enredo e Argumento.

André Rebouças é um personagem esquecido da nossa história. O revisionismo histórico costuma colocar André como um subserviente da família Real, mas ignora o fato de mesmo tão próximo deles, é dele o pensamento, o engendramento intelectual dele por trás das movimentações Abolicionistas que culminam na lei Áurea e abolição. Onde vê-se subserviência, não se vê a amizade e fraternidade de pessoas tão distintas como o imperador e o engenheiro, inventor, multitalentos. E ainda como mostra de como pessoas pretas, vultos e personalidades históricas pretas tem suas memórias patadas de nossa história. A cara de André Rebouças não é de conhecimento da população. Seu nome é reconhecido apenas por ser o nome de algumas importantes vias do país, mas sequer sabem da sua importância e luta por uma sociedade mais igual, justa e que valorize a liberdade. Liberdade essa que corpos brancos, pretos, multicoloridos tem através do carnaval. Festa do Samba. Real ou virtual, ARTE que é matematicamente, engenhosamente pensada e estudada, para que pelo menos uma vez no ano, tenhamos a sensação de atravessar um túnel de fantasias e sensações que somente essa festa, autenticamente e genuinamente preta proporciona. Ao Arte Yourubá, Axé!

Llorran Carvalho

Fontes: https://www.geledes.org.br/quem-foi-andre-reboucas-abolicionista-que-batiza-avenida-rebou cas/ https://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/dia-abolicao-escravatura.htm https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Lei_%C3%81urea https://www.infoescola.com/historia/baile-da-ilha-fiscal/ https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Baile_da_Ilha_Fiscal https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Carlos_Gomes https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Il_Guarany https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Andr%C3%A9_Rebou%C3%A7as https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Pereira_Rebou%C3%A7as_Filho https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Cachoeira_(Bahia) https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Pereira_Rebou%C3%A7as https://pt.m.wikipedia.org/wiki/The_Times https://unifei.edu.br/personalidades-do-muro/extensao/andre-reboucas/ http://www.letras.ufmg.br/literafro/ensaistas/1421-andre-reboucas Referências Videográficas: https://youtu.be/UKRxn65zzPM https://youtu.be/YN80ff7M9D8

Autor do enredo: Llorran Carvalho

Comentários do Facebook
%d blogueiros gostam disto: