Imperatriz Cubango cantará “De Liberdade à Igualdade” no Carnaval Virtual de 2021. Confira a sinopse e o que planeja a escola.

Com a expectativa de superar o desfile de 2020, tanto na parte plástica como na musical, bem como na colocação, a Imperatriz Cubango busca a consolidação como uma escola verdadeiramente competitiva em 2021. O presidente da escola também disse que a agremiação busca estabelecer uma comunicação mais ativa com o público ao longo do ano até o desfile, pois acredita que a mensagem a ser passada por uma escola de samba pode e deve ir além da competição. Confira abaixo a sinopse da escola.

Confira abaixo a entrevista concedida pelo presidente Marcus Lopes.:

1- Como conheceu a LIESV e por que a escolheu?

Conheci a LIESV através do Facebook, no início de 2018. Na época, me interessei pela flexibilidade e possibilidade de participar das disputas de samba enredo e, desde então, fui me dedicando cada vez mais à Liga. A escolhi pois percebi a seriedade e a paixão que cada participante tem pelo carnaval, sentimentos que compartilho desde a infância.

2- Qual a história da sua escola, como foi fundada, qual o motivo, quais as cores, símbolo e nome?

A intenção de fundar uma escola surgiu logo após acompanhar os desfiles do carnaval virtual de 2018. Porém, na época, tinha a convicção de que ainda não estava preparado, então resolvi esperar um pouco mais. Em 2020, graças ao incentivo de amigos que fiz dentro da LIESV assumi esse desejo e fundei a Imperatriz Cubango.

Fundamos a escola fazendo uma singela homenagem às duas agremiações pelas quais torço, a Imperatriz Leopoldinense e a Acadêmicos do Cubango. Incutimos nela uma personalidade própria: a de uma escola que abordará temas africanos, com a garbosidade leopoldinense e a força cubanguense. Suas cores, são o verde e o branco, tendo como símbolo maior a coroa imperial, além da imperatriz negra e do partenon.

3- Qual será o enredo da sua escola e como ele será contado na passarela virtual (quantas alas, alegorias e demais elementos)?

Nosso enredo para o carnaval virtual 2021 se chama “De Liberdade à Igualdade”, de autoria de Elídio Jr. Contaremos uma história que mistura realidade e ficção, de duas grandes mulheres de raças, nacionalidades e culturas totalmente diferentes, mas que dividem os mesmos ideais políticos e sociais. Esta história se passará exatamente na transição do Brasil colônia para o Brasil independente, focalizando na contribuição política da mulher neste período.

4- Como a equipe da sua escola foi montada e quem faz parte dela?

Nossa equipe será praticamente a mesma de 2020, tendo como enredista o professor Elídio Jr., o carnavalesco Fábio Henriques e no carro de som Thiago Brito e a nossa estreante Millena Wainer como intérpretes.

5- E o samba enredo, vai fazer eliminatórias de samba ou vai encomendar? Se for eliminatórias, quais as regras da disputa, pra onde os compositores devem mandar os sambas e etc?

O samba enredo será encomendado para o próximo desfile, contando com praticamente os mesmos compositores da nossa primeira obra: Abraão do Vai Vai e Junior Barreto.

6- O que você e sua escola esperam do Carnaval Virtual 2021, tanto de vocês quanto das coirmãs?

Como todos os anos, esperamos um espetáculo de altíssimo nível e com todos os estilos narrativos, visuais e musicais, pois a LIESV é rica de pessoas competentes no que se propõem a fazer. Na verdade, a competição já começou!

De nós, primeiramente esperamos realizar um desfile que supere o anterior e nos posicione numa colocação que consolide a escola como uma escola verdadeiramente competitiva. Também estamos buscando estabelecer uma comunicação mais ativa com o público ao longo do ciclo até o desfile, pois acreditamos que a mensagem a ser passada por uma escola de samba pode e deve, ir além da competição.

Confira abaixo a logo e a sinopse do enredo da Imperatriz Cubango para o Carnaval Virtual 2020:

“De Liberdade à Igualdade

GRESV IMPERATRIZ CUBANGO
Carnaval 2021

Histórico do Enredo:
“Os negros
Trazidos lá de além-mar
Vieram para espalhar
suas coisas transcendentais
Respeito
Ao céu, à terra e ao mar
Ao índio veio juntar
O amor à liberdade
A força de um baobá
Tanta luz no pensar
Veio de lá…”

Somos todos umas misturas de idos e vindos. Somos toda essa gente escravizada e ainda sua ancestralidade. Quando nos olhamos num espelho não conseguimos ver todas as nossas dimensões: apenas a humana. Temos várias cores em nossa alma, cada uma representando um traço de nossos antepassados, inclusive daqueles que nem fazemos ideia de quem são, e muito menos de seus nomes, origens, planos e sonhos. Não temos consciência de tudo que nos deixaram. Mas, tem uma história que quero lhes contar: a minha.

Há muitos anos um jovem quimbundo fundou, entre os rios Cuanza, Dande e Lucala, o Reino de Ndongo, onde nasceu uma princesa que ficou conhecida como Fayola Ndongue, aquela que caminha com sorte e honra. Era um reino próspero, que dominava o ferro, riqueza daquela região. Os ndongues eram grandes guerreiros que lutavam irmanados a outros reinos contra os portugueses. E nossa princesa cresceu neste universo, aprendendo seu valor e a importância de defender seu povo.

Mas em dado momento, os portugueses conseguiram aliados e foram aos poucos se impondo territorialmente, vencendo batalhas. Até que Fayola, pela primeira vez, protagonizou ações, se mostrando dominadora das artes da guerra e grande negociadora: com habilidade, conquistou, na mesa de negociação praticamente tudo pelo que seus opositores haviam batalhado, reacendendo a chama de Ndongo. Coordenou a reconstrução de seu reino, com forte aparato de defesa articulado a um parlamento para tomar decisões mais justas para seu povo. Chegaram a produzir tanto algodão, milho, feijão e banana que seus excedentes eram comercializados, o que garantia ainda melhores condições para todos. Contudo, a invasão lusitana não era sua única preocupação: tinha que se defender dos ataques de inimigos mais tradicionais: os jagas, um povo de guerreiros saqueadores. E foi numa dessas batalhas que, traída pelo poder, acabou aprisionada e escravizada, sendo trazida para o Brasil…

Em meio a isso tudo, uma outra nobre, de origem austríaca, Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena nasceu em Viena. Ela, aos 20 anos, se casou à distância e por procuração com um homem que nunca havia visto: o futuro Dom Pedro I. Para consumar a união, Leopoldina embarcou em uma viagem de navio de seis meses de duração, rumo a um continente que o mundo pouco conhecia. Na tripulação, trouxe pintores, cientistas e botânicos europeus, conhecida como Missão Científica Austríaca, para catalogarem a fauna e flora brasileiras. Mulher forte, ativa e preparada para assumir responsabilidades da realeza, Leopoldina passou a se abrasileirar nos modos, admirando cada vez mais sua nova terra que a ela ia se revelando.
Em dado momento as duas se cruzaram: uma escravizada e a outra Imperatriz. Foi quando Leopoldina logo percebeu a realeza de Fayola. E não se afastaram mais em vida. Estas duas histórias se cruzaram para a nossa sorte.

Leopoldina tinha poder de nobre e começou a defender questões que se associavam aos ideais traduzidos pela vida da princesa ndongue. Tanto que chegou a assumir papel determinante em nossa independência – sim, foi ela e não o marido: a cena do Ipiranga é pura fantasia… O “fico” também foi declarado primeiro por ela…ele só declarou depois… Leopoldina tornou-se, também, ativa no que se diz respeito à abolição dos escravos, antes mesmo de existir um movimento formal dedicado à abolição por aqui. Ela chegou a vender inúmeras joias para comprar a alforria de escravos e, junto a José Bonifácio, sempre defendeu a libertação dos negros escravizados.

Quando faleceu – e há relatos que ecoam até hoje sobre isso – conta-se que os negros andavam pela rua gritando “Nossa mãe se foi! Nossa mãe se foi!”…
Mas ela, elas, uma e outra, ainda estão em mim, ainda estão em nós. Somos frutos de seus ideais. Enfim: vem de lá? Vem dali? De acolá?… Atravessando tempos e espaços e conhecendo e reconhecendo nossa história, aqui estamos nós e…

“Pela tua voz,
Vozes vindas dos canaviais dos arrozais dos cafezais dos seringais dos algodoais…
Vozes das plantações da Virgínia
Dos campos das Carolinas,
Alabama
Cuba,
Brasil
(…)
Vozes dos engenhos dos banguês das tongas dos eixos dos pampas das usinas
Vozes do Harlen District South
Vozes das sanzalas
(…)
Vozes de toda a América, vozes de toda a África
Vozes de todas as vozes
(…)
Gerando, formando, anunciando

  • o dia da humanidade
    O DIA DA HUMANIDADE”

Temos uma herança não física que não possui nenhum filtro, chegou tudo para cada um de nós. E atravessando um mar atlântico cheio de incertezas e dor, chegaram várias pessoas escravizadas, nobres, inclusive nossa princesa. Ancestrais que, como ela, deixaram sua marca para que cada um de nós soubesse quem somos e de onde viemos. Marcas que temos e que muitos de nós, ainda hoje, não conseguem ver diante do espelho. Mas sim, temos esta rica herança, vasta herança…uma herança que se fez mestiça iniciada por estas terras, nas senzalas…

“Repousem as memórias
Descanse o sangue já vertido pela terra.
Estão presentes os heróis
Em todos nós
O povo inteiro!”

Sim…Essa sou eu, sou a história e sou o carnaval. Sou espelho de nosso povo. E como ele…

“Nasci do Negro e do Branco
E quem olhar para mim
É como se olhasse
Para um tabuleiro de xadrez:
A vista passada depressa
Fica baralhando cor
No olho alumbrado de quem me vê.
Mestiço!”

Dos quilombos de ontem, elementos desestabilizadores dos grandes poderes àquela época, símbolos da fuga da exploração, aos quilombos de hoje… Que representam, assim como eu, a resistência e continuidade da luta pela preservação identitária. Sou de negra-nobreza-raiz-babobá, mas também sou de branca influência que respeitou essa ancestralidade. Sim, sou eu! Eu que assim como tantos outros lutaram e ainda lutam para manter sua história refletida nos dias de hoje com…

“Mãos que moldaram em terracota a beleza e a serenidade do Ifá
(…)
Mãos, mãos negras que em vós estou sentindo!
Mãos pretas e sábias que nem inventaram a escrita e nem a rosa-dos-ventos
Mãos que da terra, da árvore, da água e da música das nuvens
Beberam as palavras das corás, dos quissanges e da timbala que o mesmo é
Dizer palavras telegrafadas e recebidas de coração em coração.
Mãos que da terra, da árvore, da água e do coração tam-tam
Criasteis religião e arte, religião e amor.

Mãos, mãos pretas…como em vós estou chorando.”

Identidade não é cor de pele, formato de olhos ou jeito de cabelo. Inclui! E vai muito além disso: Estou com você e somos marcas de culturas que se misturaram independente de quereres pessoais. Está em mim. Está em você. Ah, esse nosso jeito de ser… que precisa recobrar suas raízes na memória, nossa história, nossa cultura… Somos gente constituída com multifacetadas mãos num diálogo passado-presente-futuro!

Quantas Anastácias ainda precisaremos ter, ricas em beleza e oratória que estimulou que fossem à luta? Quantos líderes Zumbis precisaremos a guiar os excluídos? Quantos Joões Cândidos precisarão se rebelar contra a discriminação e a igualdade? Quantas Mães Andressas liderarão seu povo de santo com garra e fé na luta pela liberdade religiosa? Quantos Abdias do Nascimento precisarão lutar no meio político em defesa do povo negro?

Quantos Jacksons do Pandeiro levantarão, por meio de sua arte, a bandeira da vida afro-brasileira? Tivemos e temos muitos guerreiros. Mas temos que saber quem somos, o que queremos, de onde viemos e, principalmente aonde queremos chegar.

“Ah! Essas histórias de agora
Escritas com Sangue e Coragem
São ainda as histórias antigas
Ah, Vovô Bartolomeu
Histórias tão antigas
Di contar todos os dias
Até o último escravo.

Si Vovô Bartolomeu fosse vivo
Si fosse mesmo vivo
À sobra daquela velha mulemba
Ainda na mesma carcomida cadeira
Espiaria o regresso dos netos
Di pai Sangue
De mãe Coragem.”

Hoje, nossa identidade está também nos modos de ser e estar. Está na vida que segue, infelizmente cheia de escravos dos novos tempos: sociais, virtuais, culturais… ainda vivemos num mundo de distorções. Por isso estou aqui e trouxe a minha – a nossa – história. Há que se saber dela e seguir em frente lutando por um mundo melhor: respeitando as culturas, as diferenças, promovendo direitos igualitários. Sim, este é o meu ideal: o pensamento motivador de um futuro melhor construído por e para todos nós. Sim, essa sou eu. Sim, estou em e com você…

Muito Prazer, Imperatriz Cubango.

Setorização sugerida:
A essência da Realeza Negra escravizada
Uma Realeza europeia tornando-se brasileira
Muito Prazer, Imperatriz Cubango

Referências:
Obras poéticas em ordem de citação:
Vila, Luiz Carlos da (2005). “Nas veias do Brasil” In: Um cantar a vontade. Musart Music.
CRUZ, Viriato (1961). “Mamã Negra (Canto de Esperança)” In: Poemas. Lobito.
COSTA, Andrade (1975). “Repousem as memórias” In: Poesia com Armas. Sá Costa.
TENREIRO, Francisco José. “Canção do Mestiço” In: Ilha de Nome Santo. S.I.
TENREIRO, Francisco José. “Mãos” In: Ilha de Nome Santo. S.I.
JACINTO, António (1974). “Outra vez Vovô Bartolomeu” In: Vovô Bartolomeu. Edições 70.

Outras fontes:
Sobre Rainha Njinga:
https://www.dw.com/pt-002/njinga-mbande-a-rainha-angolana-que-fez-frente-aos-portugueses/a-42579615
(Acesso em 19/09/2020)
Sobre Tereza de Benguela:
https://www.ufrb.edu.br/bibliotecacecult/noticias/220-tereza-de-benguela-a-escrava-que-virou-rainha-e-liderou-um-quilombo-de-negros-e-indios
(Acesso em 20/09/2020)
Sobre Imperatriz Leopoldina:
https://www.sohistoria.com.br/biografias/leopoldina/#:~:text=Esposa%20de%20dom%20Pedro%20I,poderosas%20cortes%20europ%C3%A9ias%20da%20%C3%A9poca.
(Acesso em 19/09/2020)

Autores do Enredo: Elídio Fernandes Jr e Marcus Lopes

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