Em 2024, a Mocidade Independente exalta a “Mãe Baiana, Mãe do Samba”

Nome da Escola:Mocidade Independente
Data de Fundação:10/02/2017
Cidade/Estado:Rio de Janeiro
Símbolo da Escola:Estrela
Cores da Escola:Verde e branco
Instagram da Escola:@gresvmocidadeindependente
Nome do Presidente e Carnavalesco:Giovani Leal
Intérprete:Zé Paulo Sierra
Outros Integrantes:André Dubois – Vice Presidente e Enredista
Catarina – Diretora Artística
Marcelo Costa – Diretor de Carnaval
Enredo:Mãe baiana, mãe do samba
Autor do Enredo:André Duboóis

Introdução:

Várias perguntas surgem quando refletimos sobre um dos segmentos mais importantes das escolas de samba, a ala das baianas. Qual a origem da ala das baianas? Quem são e eram as “tias”, como elas são carinhosamente chamadas no dia a dia?

Apesar das várias perguntas sobre suas origens não há dúvidas de que elas são um dos grupos mais importantes da existência social se uma escola de samba. Elas são, simbolicamente, o “colo” de uma escola de samba. O colo, os seios e toda afetividade de mulheres, mães e guerreiras de uma comunidade de sambistas. Em grandes eventos elas têm grandes responsabilidades: desde a produção de quitutes às apresentações com suas vestimentas majestosas, simbolizando a unção entre o humano e o sagrado.

1.      Gênesis

Dá licença de rezar pro Senhor do Bonfim

Salve! A Santa Bahia imortal, Bahia dos sonhos mil!

Eu fico contente da vida em saber que Bahia é Brasil! (Caetano Veloso- Bahia com H)

Baianas remete à Bahia. Bahia foi a região do Brasil na qual os portugueses por aqui aportaram. A Bahia foi a mais importante região do Brasil, do “achamento” em 1500 até meados do século XVIII, pois Salvador fora nossa capital por mais de dois séculos. Na Bahia aportaram africanos, feitos pela ganância dos colonizadores, cativos.

Segundo Gilberto Freyre, em “Casa Grande & Senzala”, as indígenas não se empolgaram muito com os homens portugueses. Seus cheiros e hábitos pouco higiênicos repeliram o “mulherio”. Nesse sentido, foram as mulheres negras, escravizadas, as primeiras “mães” do Novo Mundo. A ausência de mulheres na empreitada colonial portuguesa, aliada à brutal colonização gerou relações frutos de estupro e domínio dos corpos femininos.

Na Bahia aportaram as negras africanas que tornar-se-iam antes de “brasileiras”, baianas!

As mulheres foram elementos fundamentais na construção do Brasil colonial e estão representadas nas pinturas de expressivos viajantes (Frans Post, Albert Eckhout e Debret) – que por cá passaram e registraram-nas em seu cotidiano.

A obra “Memória de um Sargento de Milícias“, de Manuel Antônio de Almeida, retrata baianas em uma cerimônia católica, XXXX, na primeira metade do século XIX e é um dos primeiros registro dessas mulheres, na literatura brasileira.

Um dia de procissão foi sempre nessa cidade um dia de grande festa, de lufa-lufa, de movimento e de agitação; e se ainda é hoje o que os  nossos leitores  bem sabem,  na época em que viveram os personagens desta história a coisa subia de ponto; enchiam-se as ruas de povo, especialmente de mulheres de mantilha; armavam-se as casas, penduravam-se às janelas magníficas colchas de seda, de damasco de todas as cores, e armavam-se coretos em quase todos os cantos. (…)

Queremos falar de um grande rancho chamado das – baianas -, que caminhava adiante na procissão, atraindo mais ou tanto como os santos, os  andores,  os  emblemas sagrados, os olhares dos devotos era formado este rancho por um grande número de negras vestidas à moda da província da Bahia, donde lhe vinha o  nome,  e  que dançavam no intervalo do Deo gratias uma dança lá a seu capricho. Para falarmos a verdade, a coisa era curiosa: e se não a empregassem como primeira parte de uma procissão religiosa, certamente seria mais desculpável. Todos conhecem o modo por que se vestem as negras da Bahia; é um dos modos de trajar mais bonito que temos visto, não aconselhamos porém que ninguém o adote; um país em que todas as mulheres usassem desse traje,  especialmente  se fosse  desses  abençoados  em que  elas  são  alvas e formosas, seria uma terra de perdição e de pecados. Procuremos descrevê-lo.

As chamadas baianas não usavam de vestido; traziam somente umas poucas de saias presas à cintura, e que chegavam pouco abaixo do meio da perna, todas elas ornadas de magníficas rendas; da cintura para cima apenas traziam uma finíssima camisa, cuja gola e mangas eram também ornadas de rendas; ao pescoço  punham um cordão  de ouro ou um colar de corais, os mais pobres eram de miçangas; ornavam a cabeça com uma espécie de turbante a que davam o nome de trunfas, formado por um grande lenço branco muito teso e engomado; calçavam umas chinelinhas de salto alto, e  tão pequenas, que apenas continham os dedos dos pés, ficando de fora todo o calcanhar; e além de tudo isso envolviam-se graciosamente em uma capa de pano preto, deixando de fora os braços ornados de argolas de metal simulando pulseiras.”

2.  A migração: quando Salvador e Rio de Janeiro se encontram.

No final do século XIX e início do XX, ocorreu uma onda migratória de baianos e baianas com destino a capital, o Rio de Janeiro. Esse deslocamento ocorreu concomitantemente a Abolição da Escravidão em 1888. Os motivos da migração eram: o fortíssimo racismo na província da Bahia, a busca de oportunidades na maior cidade e capital do Brasil, o Rio de Janeiro.

As duas cidades negras se encontram, as duas capitais do Brasil: Salvador e Rio de Janeiro.

Na capital, na Paris Tropical, a modernidade é imposta aos populares. Uma “reforma”, Pereira Passos, que buscava torná-la mais branca, civilizada e européia tinha como objetivo apagar a existência do povo negro e pobre da fotografia de um Rio que queria ser Paris.

É nesse cenário de convulsões sociais que aportam na capital, as baianas que habitaram importantes regiões do Rio negro: a Praça XI e a Gamboa, nossas Pequenas Áfricas, nossas Pequenas Bahias.

3.  A Praça XI: entre os terreiros e a invenção do samba

Batuque na cozinha Sinhá não quer

Por causa do batuque Eu quebrei meu pé

Não moro em casa de cômodo, Não é por ter medo não,na cozinha muita gente

Sempre dá em alteração (João da Baiana, Batuque na Cozinha)

É preciso ouvir a sabedoria das ruas! Foi na Pequena África, região da Praça XI, que em meio a terreiros, festejos populares, ranchos e bares que emergiu um saber próprio, segundo Roberto Moura, conduzido pelas tias baianas:

(…) as tias baianas criam mecanismos de socialização própriosalternativos à escola primária e ao catolicismo, formas de subsistência diversas das garantidas pelo tempo fabril e pelo ideal de modernização,garantindo episodicamente no momento difícil, enquanto não mudava a situação, a suficiência econômica e cultural da sua comunidade. (página 176)

A princípio, os ranchos baianos, no Rio de Janeiro, reuniam-se no dia 6 de janeiro. O desfile tinha um caráter católico, associado ao Natal. Com as críticas, os ranchos foram deslocados para o tempo desinibido do Carnaval e ocorre a sua definitiva profanização. O carnaval potencializa as expectativas de liberdade por parte dos negro que comemoravam o relaxamento. Como relata-nos Moura:

A baiana Bebiana, irmã de santo de Ciata de Oxum, é a figura central da primeira fase dos ranchos cariocas, ainda ligada ao ciclo do Natal, guardando em sua casa, no antigo Largo de São Domingos, a lapinha, em frente à qual os cortejos iam evoluir no dia de Reis (página 179).

Martinho da Vila certa vez chamou de “santíssima trindade da música brasileira” três negros filhos  de  migrantes  baianos.  Melhor  dizendo,  três  filhos  de  baianas:  João  da  Baiana, Pixinguinha e Donga. Todos filhos de ventres de negras. Podemos incluir Heitor dos Prazeres ,Sinhô e Caninha como os inventores do que é hoje consagrado e mundialmente conhecido como “samba”.

Dos ventres de negras baianas nasceu o Brasil e também o samba! Dos terreiros, das cozinhas de baianas como tia Ciata, Tia Perciliana (mãe de João da Baiana),tia Dadá(mãe espiritual e adotiva do sambista Caninha). Eram as Tias baianas que abriam suas casas, terreiros para reuniões e festas, regadas à muita boa comida, permitindo que o samba surgisse.

4.  A Modernidade excludente- justificativa do enredo:

A modernidade escolhida pelos governantes brasileiros fora/foi/é baseada em um modelo excludente. A Reforma Pereira Passos pôs no chão cortiços e expulsou negros e pobres do Centro “civilizado”. A Pequena Bahia/África, situada na Praça XI, das tias baianas Ciata, Perciliana e Dadá fora praticamente extinta com a criação da Avenida Presidente Vargas em fins dos anos 1940. Na percepção desses governantes era necessário apagar as memórias dos gentios pobres e negros. As escolas de samba foram “controladas” pelos governantes autoritários. Urge, portanto, resgatar as idéias, crenças, valores, dessas mentes e corpos negros que foram insubmissos e fizeram das festas, terreiros, cantos resistência a esses diversos racismos( fenotípico, cultural, religioso, histórico). Fazer emergir essas memória é lembrar e enfatizar a importância das Tias Baianas. Vivem em nós a força das tias baianas!

5.  As baianas e as escolas de samba

Como afirmam Nei Lopes e Luiz Antônio Simas em “Dicionário da História do Samba” a “presença da ala das baianas foi decisiva para o encorpamento do canto e beleza da dança coletiva das escolas de samba, desde o início dos desfiles nos anos 1930”. Até os anos 1970 as baianas eram um quesito nos desfiles. A partir daí elas passaram a ser uma ala obrigatória, porém sem pontuação específica. Seu canto e dança influenciam notas de harmonia e evolução.

No cotidiano das escolas de samba, as tias baianas são fundamentais para a manutenção dos laços identitários, de existência e sobrevivência das escolas de samba. Essas poderosas mulheres estão a frente de eventos nas quadras, nos ensaios, em presenças em outras agremiações coirmãs(sejam como desfilantes de mais de uma agremiação), e em eventos fora do Rio de Janeiro e pelo mundo!

O jornalista/antropólogo/ escritor João do Rio, já nos lembrava a importância dos corpos de pretos e pretas, dos pobres para o carnaval:

[…] Mas o carnaval teria desaparecido, seria hoje menos que festa da Glória ou o bumba meu boi,se não fosse o entusiasmo dos grupos da Gamboa, Saco, da Saúde, de São Diogo, da Cidade Nova, esse entusiasmo ardente, que meses antes dos três dias v m queimando como pequenas fogueiras crepitantes para acabar no formidável e total incêndio que envolve e estorce a cidade inteira.[…] (página 181)

6.  As baianas sincretismo e afirmação de suas religiosidades:

As baianas são importantíssimas em outras celebrações da cidade do Rio de Janeiro. Elas estão presentes nos festejos de fim de ano, na icônica festa de réveillon de Copacabana. Na festa de Iemanjá, no Arpoador, no 2 de fevereiro. Elas estão presentes na tradicional festa de Nossa Senhora da Penha e da Glória. Essa convivência foi possível depois de muitos anos de luta e afirmação. Pela cidade, feiras e eventos gastronômicos, as baianas produzem e nos encantam com seus quitutes.

Nos anos 1960 e 1970 as baianas, seus trajes e encantos ficaram sintetizados na figura mundialmente conhecida de Carmem Miranda. Uma portuguesa se “abaianou” e acabou por forjar um símbolo de brasilidade!

7.   A apoteose das rainhas do samba. Uma procissão de baianas, representando as 15 mais importantes escolas de samba do Rio de Janeiro.

Como seres singulares, cada ala de baianas, tem suas características. Umas não se importam em modernizar-se- as baianas da Mocidade já visitaram o Espaço Sideral. Umas preferem fantasias mais tradicionais, outras não se importam em desfilar com pesadas fantasias, desde que estejam suntuosas!

Nosso desfile encerra justamente com uma procissão de baianas! Baianas das 15 principais escolas de samba do Rio de Janeiro. Elas lavam e levam a Passarela do Carnaval Virtual. Evoé!

(Produção textual e pesquisa André Dubois e Giovanni Leal)

BIBLIOGRAFIA:

DINIZ, André. Almanaque do samba. A história do samba. O que ouvir. O que ler. Onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

LOPES, Nei; SIMAS, Luiz Antônio. Dicionário da História Social do samba.Rio de Janeiro: Civilização Brasieleira,2015.

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África. São Paulo: Todavia, 2022.

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