Com “A Beira do Mundo” a tradicional Camarões dos Pampas prepara uma grande crítica social para o Carnaval Virtual de 2021

A tradicional escola de samba virtual Camarões dos Pampas, campeã do Carnaval Virtual de 2011, trará para 2021 no Grupo de Acesso uma forte crítica social em busca de lançar luz aos ditos marginalizados, frutos do abandono e da falta de assistência governamental. Com uma equipe renovada, a agremiação trará um desfile mais experimental, propositalmente “confuso”, e que se apresentará em quatro setores.

Confira a entrevista cedida pelo presidente, Leandro Ramos:

1- Como conheceu a LIESV e por que a escolheu?

Conheci a LIESV em 2014, através de uma postagem em um grupo de carnaval no Facebook. Tive interesse imediato e resolvi me aventurar em compor pra algumas escolas (quatro ou cinco), acabei vencendo em uma. Já no ano seguinte me apresentei como carnavalesco papel que exercia até então.

2- Qual a história da sua escola, como foi fundada, qual o motivo, quais as cores, símbolos nome?

A Camarões dos Pampas foi fundada no feriado de 15 de novembro de 2007. O seu símbolo, o Camarão, faz referência à cidade natal de um de seus fundadores: Valença na Bahia, terra do Camarão. Os Pampas, presente em seu nome, vem da região natal do outro fundador, o Rio Grande do Sul. O laranja vem do Camarão e o verde dos Pampas. Tão distantes geograficamente, a escola veio pra simbolizar que o Carnaval está presente em todo o país. Campeã do Grupo Especial em 2011, a escola após alguns anos na inatividade, retornou nos últimos carnavais de olho em uma vaga no grupo Especial.

3- Qual será o enredo da sua escola e como ele será contado na passarela virtual (quantas alas, alegorias e demais elementos)?

A Camarões dos Pampas se debruçara em fatos e fatores pra construir uma narrativa que aborde sobre aqueles que estão à margem da sociedade, seguidos uma linha critico-social, que é uma das características da agremiação. O enredo irá abordar a situação, movimentos e figuras que são segundo Estamira (uma das personagens homenageadas) A BEIRA DO MUNDO. Será um desfile mais experimental, propositalmente “confuso”, e que se apresentará em quatro setores. O número de alas e alegorias ainda está em aberto, pois o enredo se auto-alimenta de referencias diariamente.

4- Como a equipe da sua escola foi montada e quem faz parte dela?

Após a Edição Especial de Fevereiro, o então presidente resolveu se desligar e o carnavalesco assumiu esse posto. A nova equipe da escola é formada por:
Presidente e Enredista: Leandro Ramos
Vice-Presidente e Interprete: Murilo Sousa
Carnavalesco: Jr Ramos

5- E o samba enredo, vai fazer eliminatórias de samba ou vai encomendar? Se for eliminatórias, quais as regras da disputa, pra onde os compositores devem mandar os sambas e etc

Após encomendarmos o samba no ano passado, optamos por abrir a disputa esse ano e prestigiar os compositores da liga. Estaremos com a disputa aberta por quase dois meses e esperamos por grandes sambas.

– Os sambas poderão ser feitos solo ou em parceria de compositores;
– Cada compositor ou parceria poderá colocar em disputa quantos sambas quiser;
– É necessário envio do áudio com no mínimo duas passadas do samba, possuindo ou não instrumentos;
– O envio do samba em arquivo mp3, juntamente com a letra em word/bloco de notas deverá ser encaminhado para o e-mail: murilo_sousa@msn.com;
– Data limite para entrega dos sambas: 23 de Maio de 2021, até as 23:59 hrs;
– Qualquer dúvida, entrar em contato no Instagram da escola @camaroesdospampas

6- O que você e sua escola esperam do Carnaval Virtual 2021, tanto de vocês quanto das coirmãs?

Acreditamos que os desfiles de 2021 serão muito disputados, com alta qualidade dos trabalhos e um nivelamento entre as escolas. Buscaremos apresentar algo que agrade a todos dentro daquilo que for proposto, já que é um momento de reestruturação da escola.

Confira abaixo a logo e a sinopse do enredo da Camarões dos Pampas para o Carnaval Virtual 2021:

“A Beira do Mundo

APRESENTAÇÃO DO ENREDO

Ao apresentar o enredo “A BEIRA DO MUNDO” o Grêmio Recreativo Escola Virtual Camarões dos Pampas se debruça sobre os aspectos particulares daqueles que estão à margem da sociedade brasileira. Trata-se de uma abordagem que, lançar luz aos ditos marginalizados, frutos do abandono e da falta de assistência governamental.

A fim de construir uma abordagem carnavalesca utiliza-se das representações do orixá Exu (aquele a qual rege os seres das ruas, e que protege os abandonados e desamparados) como fator de junção aos diversos fragmentos que serão abordados, já que o mesmo é a dinamização, o senhor da transformação e movimento. Para denotar um painel includente e de analise social.

Apresentam-se aspectos diversificados, misturando dogmas de realidades e crenças distintas. Abordando visões ultra-realistas, insanamente caóticas. Dando protagonismo a movimentos e personalidades que manifestaram e/ou manifestam a verdade daqueles que são jogados a margem da ideologia e do poder vigente. Aqueles que são A BEIRA DO MUNDO, segundo Estamira, a figura central do documentário homônimo, de Marcos Prado.

A seguir, a sinopse que ilustra de forma permissiva e carnavalesca a proposta dita a cima.

A BEIRA DO MUNDO

(Texto para sugestão de leitura em voz alta e ritmada)

“Já é zero hora”

Laroyê

É ele, é Bará

Ele é Odara, e Mojubá

Laroyê, Laroyê

Ô larô L’onan, Axé Obá Babá.

Boa noite aos moços e moças, das vielas, ruelas, capelas, mazelas, da dor marcada nas costelas, “vós mices” vim convidar.

Prepare, desce d’alma e vem benzer; à luz da lua um grande “Bal Masqué”; Vem reocupar o seu lugar.

E das misérias manumitir, refletir, e à beira do mundo reexistir.

Encruzamentos…

As dores dos seus julgamentos…

Os atrasos que geram sofrimentos…

A linha mortal da sociabilidade!

“Em verdade, em verdade”, chegam os senhores e seus cavalos; com desigualdade, violência, fome e enfermidades.

Do apocalipse diário!

Do lixo recebo a vossa herança, maltrapilhando as lembranças, do incomum pisoteado pelo animal alfario.

A fugir do “pé de pato” mata homem, e deglutir a fama do que tudo come. Marcando a vida que por entre todos some.

A tocaia que sucede o poder,

A manutenção dos privilégios a todo custo vão manter; e a todos e todxs iram combater.

Os corpos marginalizados, apedrejados, sucessivamente violentados; reerguem-se diariamente, e na linha de frente vão rebater.

Existir é resistir!

E incessantemente insistir.

Se retroalimentando gerando a esperança para um novo amanhã. Ouça o surdo de terceira nhanhã;

E guia aqueles que sofrem por seu culto, sotaque, gênero, cor ou orientação, E faz do seu “lugar de fala” sua grande missão; a nutrir as carcaças forjadas pela humilhação.

“Reluziu… Leba larô”

A nobreza que sai do lixo, trás dos batuques um clamor: “Ebó lebará, laiá, laiá ô”

“A loucura é geral”, o povo reverencia a “ralé” afinal. A profanação dos pensamentos reinventa os argumentos, à beira de um abismo.

O mundo e seu cinismo… Não passaram! No cortejo onde os “poetas do feitiço” reinarão. E dobra a gira no além dos além sem ufanismo.

Vem “Mendigo-maranhão”, senhor da alucinação, trás junto a “Sinhá” que “transformou toda mentira, na mais fiel realidade.”

Vinde também toda veracidade, do profeta que do fogo alvoreceu a “Gentileza”. Da insana grandeza, bordada pelo “Bispo-rei” com a mais delirante beleza.

“- Câmbio, Estamira! Fala majestade.”

Comunique o que o “cometa” vem revelar… Elucidar.

Abrindo os caminhos pra Deusa passar… “Laroyê e Mojubá”

Ser a beira do mundo, despertando a dignidade, e redistribuindo a liberdade.

Pesquisa e texto: Leandro Ramos.

  • Texto repleto de fragmentos, estilhaços e neologismo, a fim de criar propositalmente uma atmosfera narrativa difusa e espiralada. Dotada de confusão, de múltiplas referências e costuras ritmos-textuais; um amontoado simbólico. Buscando aspectos lingüísticos que sugerem dinamismo e movimentação.

Glossário

(O glossário a seguir, tem a finalidade de apenas elucidar determinados termos e referências mais específicos, deixando os demais a livre interpretação do leitor)

  • Laroyê, Mojubá, larô – saudações ao orixá Exu (orixá da comunicação e da linguagem: atua como mensageiro entre os seres humanos e as divindades; dentre outras muitas atribuições;
  • Bará, Odara, L’onan, Obá Babá – alguns dos dezesseis títulos de atributos designados ao orixá Exu; respectivamente: Senhor do corpo, Senhor da felicidade, Senhor dos caminhos, Rei e Pai;
  • Bal Masqué – palavra francesa que designa os bailes de máscaras, também chamados de bailes à fantasia, foram os eventos precursores do carnaval moderno no Brasil;
  • Manumitir – alforria; conceder liberdade;
  • Alfario – dizem-se do cavalo, quando relincha muito e ergue alto, as patas dianteiras;
  • Pé de pato – expressão utilizada em periferias para designar aquele que faz justiça com as próprias mãos; justiceiro matador de ladrão e/ou de todos aqueles que ele julga ser ou parecer um;
  • Todxs – é uma tentativa de uma neolinguagem de gêneros gramaticais, que seja inclusiva para/com as mulheres, e as pessoas não-binárias;
  • nhanhã – substantivo feminino; forma de tratamento afetuoso direcionado às meninas;
  • Cometa – segundo Estamira (Estamira Gomes de Sousa, foi uma senhora que apresentava distúrbios mentais, vivia e trabalhava no aterro sanitário de Jardim Gramacho RJ, ficou conhecida por protagonizar o documentário que leva seu nome) é o comandante natural que rege seus pensamentos.

Referências

  • ANGELIN, Rosângela; DE MARCO, Thaís Kerber. Viabilização de direitos de cidadania para minorias em uma sociedade multicultural. Trabalho Jurídico cientifico apresentado ao XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Publicas na Sociedade Contemporânea, 2014.
  • CUNHA Jr, Milton. A Rapsódia brasileira de Joãosinho Trinta: um grande leitor do Brasil! Tese de Doutorado apresentada a Faculdade de Letras da UFRJ, Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura, Rio de Janeiro 2010.
  • D’ADESKY, Jacques. Racismos e Anti-Racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Palas, 2001.
  • FERNANDES, Alexandre de Oliveira. Em narrativas amadianas, Exu: a boca que tudo come. Revista Criação & Crítica, São Paulo, n.18, p.20-37. 2017.
  • HADDAD, Gabriel; BORA, Leonardo. O rei que bordou o mundo. Sinopse do enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Cubango 2018. Disponível em http://www.galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/academicos-do-cubango/2018/
  • HADDAD, Gabriel; BORA, Leonardo; NATAL, Vinícius. Fala, Majeté! Sete Chaves de Exu. Sinopse do enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio 2021*. Disponível em https://www.academicosdogranderio.com.br/enredo
  • JUNCA, Denise Chrysóstomode Moura. Ilhas de Exclusão: o cotidiano dos catadores de lixo de Campos. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 17, 1996.
  • LAURO, Rafael. Estamira. Razão Inadequada, 2016. Disponível em https://razaoinadequada.com/2016/08/03/estamira/
  • MOURA Jr, J F; XIMENES, V M; SARRIEIRA, J C. Praticas de discriminação às pessoas em situação de rua: histórias de vergonha, de humilhação e de violência. Revista de Psicologia, n.22, p.18-28. 2013
  • PRADO, Marcos. Estamira. Documentário, produção José Padilha. 2004
  • PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • RUFINO, Luiz; SIMAS, Luiz Antonio. Fogo no Mato. A ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2018.
  • SIMAS, Luiz Antonio. Macumba. Revista Serrote, São Paulo, n. 27. 2020. Disponível em https://www.revistaserrote.com.br/2020/02/macumba-por-luiz-antonio-simas/
  • SIMAS, Luiz Antonio. O Corpo Encantado das Ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.
  • TRINTA, Joãosinho. Ratos e urubus larguem minha fantasia. Sinopse do enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis 1989. Disponível em http://www.galeriadosamba.com.br/escolas-de-samba/beija-flor-de-nilopolis/1989/
  • VARANDA, W; ADORNO, R C F. Descartáveis urbanos: discutindo a complexidade da população de rua e o desafio para políticas de saúde. Revista Saúde & Sociedade, n.13, p.56-69. 2004

Autor do enredo: Leandro Ramos

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