A Noite dos Mortos-Vivos – Imperatriz Nordestina trará os zumbis para a Avenida Virtual no Carnaval 2022

Vindo de um 8º lugar no Grupo Especial de 2021, a Imperatriz Nordestina virá renovada para o Carnaval Virtual de 2022. Com a contratação de Humberto Mansur como enredista, a verde e branco de Tabuleiro do Norte-CE trará um enredo com uma proposta de descobrir como um elemento da cultura africana acabou se tornando um dos gêneros mais famosos da ficção mundial. Para isso, a agremiação irá explorar um pouco do candomblé banto, do vodu haitiano, da resistência quilombola brasileira e da história do cinema americano, fechando o desfile com um apocalipse zumbi de sambistas

Confira a entrevista cedida pelo vice-presidente e carnavalesco, Charlton Junior:

1- Como conheceu a LIESV e por que a escolheu?

Através de amigos do Facebook.

2- Qual a história da sua escola, como foi fundada, qual o motivo, quais as cores, símbolos nome?

A Escola surgiu através de um grupo no WhatsApp, e por ser administrada por nordestinos, posteriormente acabou mudando o nome para Imperatriz Nordestina, de símbolo coroa – em homenagem a Imperatriz Leopoldinense – e nas cores verde e branco.

3- Qual será o enredo da sua escola e como ele será contado na passarela virtual (quantas alas, alegorias e demais elementos)?

O enredo será “A Noite dos Mortos-Vivos”, não temos ainda uma definição de Alas e alegorias, mas, provavelmente entre 25-30 alas e 4-6 alegorias.

4- Como a equipe da sua escola foi montada e quem faz parte dela?

Formada pelo presidente Alexandre Rodrigues e Vice Presidente Charlton Júnior, associados ao enredista Humberto que foi contratado este ano visando agregar na criação do desfile.

5- E o samba enredo, vai fazer eliminatórias de samba ou vai encomendar? Se for eliminatórias, quais as regras da disputa, pra onde os compositores devem mandar os sambas e etc

Será escolhido por eliminatórias. Devem mandar os sambas até o dia 29 de maio de 2022, às 23:59, pro WhatsApp do vice presidente Charlton Júnior (71) 98668-1497 ou para o e-mail do mesmo charltonjunior.92@gmail.com

6- O que você e sua escola esperam do Carnaval Virtual 2022, tanto de vocês quanto das coirmãs?

Esperamos o melhor e o maior desfile da Imperatriz, e uma grande competição com as demais.

Confira abaixo a logo e a sinopse do enredo da Imperatriz Nordestina para o Carnaval Virtual 2022:

“A Noite dos Mortos-Vivos”

DIÁRIO DO APOCALIPSE

DIA 21

Hoje, fazem 21 dias desde que o mundo mudou pra sempre. Ninguém sabe como. Ninguém sabe de onde. Ninguém sabe o porquê. E, mais importante, ninguém sabe quando isso terá um fim. Ou se sequer é imaginável um fim para a nossa situação atual. Amigos e algozes, igualmente, foram consumidos por tudo o que aconteceu. Eu não sei como eles estão. 

E é esse tanto de não saber… que me levou a tentar saber. Tentar entender como tudo isso começou. Tentar entender como todas essas histórias ficcionais se tornaram reais. Aliás, de onde vieram essas histórias? Porque sempre assumimos que elas foram ficcionais?

Toda essa história é misteriosa por natureza. E talvez, isso explique porque ela é tão fragmentada.  A primeira menção do termo na língua inglesa foi feita no longínquo 1819, falando sobre outro zumbi imortal – Zumbi dos Palmares. O primeiro registro de hordas de mortos-vivos marchando e causando destruição é mais antigo ainda – vem das histórias de Ishtar, deusa da mitologia suméria. Mas o mais interessante é sobre a origem da própria palavra “zumbi” – que me levou a um caminho que eu nunca imaginava encontrar.  Que talvez… os zumbis sejam os heróis dessa história.

————————

Minhas pesquisas primeiro me levaram de volta ao berço da humanidade, a África. Segundo os povos africanos conhecidos como bantos, o criador do mundo chama-se Nzambi Mpungu. No mundo que Nzambi criou, a vida tem o corpo como receptáculo do espírito. Enquanto viva, a pessoa traça seu caminho para que, quando findada sua passagem pela Terra, seu espírito se liberte e seja mandado de volta para a Senzala de Nzambi, sua morada. Porém, aqueles que fizessem atos abomináveis, como o homicídio, não eram bem-vindos lá. Ao invés disso, eles voltavam ao mundo e causavam o mal, tomando corpos de animais e causando destruição, matando crianças no ventre, entre outros presságios. De certa maneira, a vida de uma pessoa moldava o mundo, não só em sua passagem física pelo planeta, mas também na sua pós-vida, na sua espiritualidade. E, depois que esta pessoa fosse embora, seu espírito não era necessariamente eterno – mas durava enquanto esta pessoa fosse lembrada por alguém.

Zambi… é memória.

Quando os europeus chegaram à África e fizeram de lá um grande mercado de escravos, outro conceito passou a ser associado com a grande travessia – Kalunga. Kalunga era um corpo de água que marcava a fronteira entre a vida e a morte. E entre a porta cruzada para a escravidão e o Novo Mundo onde as vítimas deste horror serviriam, havia um grande oceano – o Oceano Atlântico. A travessia do oceano tornou-se um símbolo da “morte”, e ainda acredita-se que, quando um afro-americano morre, seu espírito retorna à África, para ser recebido na Senzala de Nzambi.

Porém, alguns escravos não morriam durante a travessia. Eles chegavam vivos ao novo continente, e lá, passavam a viver num estado de “morte-vida”, em servidão total, sem esperança de viver uma vida de fato novamente. Sem aceitar sua situação, rebelavam-se. Buscavam liberdade. Ali não era seu lugar, e o mundo não era uma epopeia de servidão! Nomes surgiram nesta terra chamada Brasil. Aqualtune, Tereza de Benguela, Negro Cosme, Manuel Congo, Benedito Meia-Légua e tantos outros cujo nome jamais foi esquecido, tantos cujas almas hoje encontram-se ao lado do Criador. No entanto, nenhum teve tanta força quanto o nome “Zumbi dos Palmares”. Zumbi, cujo nome, embora próximo do nome de Nzambi, significava “espectro” – muitas culturas africanas tinham palavras próximas para designar corpos sem alma, almas sem corpo e outras criaturas da morte-vida. Zumbi fez seu nome ser o mais imortal de todos os imortais.

As revoltas e a resistência do Quilombo dos Palmares nunca se entregaram. Quando Zumbi morreu, seus captores fizeram questão de decapitá-lo e expôr sua cabeça em praça pública, para que nunca esquecessem que, para aqueles que se opusessem ao regime, a morte era o fim. Mas a morte não é o fim. A morte só fez Zumbi ser mais lembrado e mais imortalizado. Até os tempos hodiernos, toda resistência negra em território brasileiro inspira-se na luta de Zumbi dos Palmares. Assim, ironicamente, a tentativa de garantir que Zumbi não fosse imortal tornou Zumbi aquele que, eternamente, estará vivo no sangue de cada um que considere-se resistência contra qualquer opressão.

Zumbi… é resistência.

Em outros lugares, a travessia da “nova” Kalunga teve outros frutos. No Haiti, uma das pátrias que a ganância europeia mais destruiu, a morte-vida e o nome de Nzambi se conectaram através do vodu haitiano. Bondyé, o criador segundo os vodus, era inalcançável aos humanos e, portanto, o contato com ele seria feito através dos Iwás, um dos quais era o Baron Samedi. Os feiticeiros vodus, os bokor, serviam aos Iwás e, como regente da morte, aqueles que serviam o Baron Samedi tinham a capacidade de criar zombis – um processo normalmente reservado apenas ao próprio Baron Samedi, para qual a transformação em zombi era um castigo eterno para aqueles que lhe desagradassem. Zombis existiam em duas formas, cada uma tendo metade do ser vivo: corpos que foram privados de seu descanso eterno e receberam a escravidão como castigo, e almas que podiam ser capturadas em um fetiche para empoderar um Bokor.

A dualidade entre empoderar os soberanos e servir sem descanso acabou se tornando parte integral da história do Haiti. Quando a terra sangrava pela escravidão, era frequente o uso da crença nos zombis para dissuadir os escravos do suicídio, afinal, a servidão eterna como zombi não era nada diferente da servidão eterna em vida. Séculos depois, quando François Duvalier, o sanguinário Papa Doc, tornou-se ditador do Haiti, ele moldou no Baron Samedi um culto de personalidade, utilizando figuras do folclore haitiano para impor medo na população que governava. Hoje, o Haiti, ainda fragilizado, continua uma batalha ferrenha contra as mazelas que o universo atirou a ele, e enquanto o mundo olha para seus habitantes como “mortos”, a luta deles está mais “viva” do que nunca.

Zombi… é luta.

Mas ainda faltava algo para os zumbis dominarem o mundo – naquela época, figurativamente, hoje em dia, literalmente. Este algo foi uma mistura fervilhante de culturas nos Estados Unidos da América. Influenciado pelas eternas escritas de obras como “Frankenstein” e os Mitos de Cthulhu, o misticismo da reanimação de corpos deu origem a um filme chamado “Zumbi Branco”, que considera-se ter sido o primeiro filme de zumbis da história, e aquele que introduziu o termo “zombie”, de fato, ao vocabulário da língua inglesa. Mas foi somente em 1968 em que os zumbis de fato despertaram, com o longa-metragem “A Noite dos Mortos-Vivos” de George Romero, por sua vez inspirado no livro “Eu Sou a Lenda”, de Richard Matherson. Este filme codificou o arquétipo do zumbi moderno: ininteligível, lento, agressivo, caminhante em hordas e um ícone do horror.

E foi então que o apocalipse zumbi se espalhou pelo mundo. Michael Jackson eternizou-se fazendo zumbis levantarem-se de seus túmulos para dançarem ao som de Thriller. A indústria dos videogames apresentou a Umbrella Corporation ao mundo pela série Resident Evil. Os quadrinhos entraram na brincadeira com The Walking Dead, que depois virou série de TV e o mundo inteiro aplaudiu. Até em temas mais leves os zumbis começaram a aparecer – sitcoms, obras de romance, animes ecchi! E os fãs começaram a se unir. Formaram sua própria horda, inventaram o “zombie walk” e transformaram a preparação pra um apocalipse zumbi em um hobby.

Zombie… é cultura.

Mas na horda que eu conheço… existe algo de estranho. Embora as origens de zumbis sejam, frequentemente, misteriosas, há especulações sobre o que poderia causar a zumbificação de alguém. Vírus letais, magia e até mesmo uma espécie de fungo chamada Cordyceps que possui a capacidade de zumbificar pequenos animais. Uma vez que eles estejam fora das covas, zumbis são ininteligíveis, lentos e agressivos, assim como eu disse antes. Para proteger-se deles, portas barradas – eles podem tentar derrubá-la, mas não conseguem. É importante também ter uma arma à mão e saber o que fazer com ela. Alguns só morrem com tiros na cabeça, outros podem ser cortados ao meio com uma serra elétrica que funciona tão bem quanto. Mordidas são fatais e vão te transformar em um zumbi. E o mais importante de tudo – mesmo num apocalipse zumbi, nunca deve-se esquecer que o ser humano também é capaz de destruir.

Não são esses os zumbis que estão tomando o mundo. A horda que eu conheci é extremamente inteligente. Ela não tem fome de carne humana e consegue dar brados clamando por africanidade. Os zumbis não nasceram de uma catástrofe biológica ou de magia negra – eles tornaram-se uma horda porque quiseram. Não são meros zumbis – há zumbis que evocam almas de pessoas que, mortas há muito tempo, tornaram-se imortais pelo papel que tiveram para a resistência da cultura popular brasileira. Nenhuma arma os derruba. E eles não vieram destruir o mundo.

Quem sabe… eles vieram retomar o mundo.

Esse mundo onde nós vivíamos, que tanto despreza o afro, e agora vê o zumbi, um ser que nasceu da África, tomar o mundo – primeiro figurativamente, como um ícone cultural, e agora literalmente.

E quem sabe… talvez não fosse melhor eu fazer parte da horda. Tantas vezes os filmes de zumbi já mostraram que a humanidade é tão maléfica quanto os tais “monstros”. Tantas vezes a humanidade falhou em ser humana. E a horda, que carrega com si o peso de sangue, suor, lágrimas e muita batalha, hoje não é mais a inimiga da humanidade, mas sua própria representação.

Ser zumbi, hoje em dia, é não aceitar o jeito que o mundo é.

É querer mudar tudo.

Por isso… eu me juntarei à horda. 

Adeus.

———————————————————-

DIÁRIO DO APOCALIPSE

DIA 22

Eu estava certo.

E nós vencemos.

A horda é o povo.

A horda é a africanidade encarnada num ícone popular.

A horda é resistência.

A horda é Zambi, é zombie e é zumbi.

Autor do enredo: Humberto Mansur

Comentários do Facebook
%d blogueiros gostam disto: